este é sobre ser filha. filhA.
então numa noite, não uma noite qualquer, no dia 24 de dezembro do último ano, eu estava conversando com meu sobrinho. usava um vestido longo que comprei na black friday (que é o único momento do ano que compro roupas). eu tinha feito também pela primeira vez na vida um procedimento estético, não sei se poderia chamar assim, porque não é nada demais, mas tinha feito nanoblanding, que é basicamente uma leve reestruturação das sobrancelhas com tinta, que dura até 18 meses e me custou R$ 750. eu estava muito feliz nesse dia. pela primeira vez em três anos de natal na minha casa, tinha conseguido fazer as comidas, deixar tudo limpo, organizado, decorado e eu também estava linda com meu vestido e sobrancelha.
com 26 anos, era o terceiro natal na minha casa. eu não queria isso, mas também não estava tendo forças o suficiente para dizer que não queria, e por dinâmicas familiares complexas, a minha casa era a que melhor cabia a todos: eu, minha avó, minha mãe, meu irmão, meu padastro, a mãe do meu padastro, meu sobrinho e meu namorado, que passou cerca de três horas na casa dos pais mais cedo, e mora comigo.
na noite anterior, eu e ele estávamos no mercado Assaí na Tijuca, comprando coisas que faltavam para o natal. ou foi na noite antes dessa? não me recordo. é uma época conturbada para mim, dezembro. porque é o momento de mais trabalho na minha papelaria, trabalho em torno de 16 horas todos os dias na produção e postagem de planners, então estava exausta.
mas bem, tinha conseguido aquilo que me parecia impossível: estar bonita, com a casa organizada, decorada, preparada e ainda com o ar condicionado ligado, às 19h do dia 24 de dezembro de 2024. “que glória”, pensei. seguida por um “que merda”.
brincando com meu sobrinho de cinco anos, e conversando com pessoas, eu contei algo que tinha conseguido realizar nos últimos dias. não me lembro o quê, e como estava me sentindo em paz, é possível que estivesse exalando essa energia de confiança, sabe? a ponto de cometer o erro de contar algo de bom que aconteceu para minha família. ai, que erro… e o pior é que estou sempre caindo nesse.
depois de eu ter contado da conquista que havia tido, da sobrancelha, do vestido, em tempos diferentes, ela me disse:
— Nossa Lorena… Você está metida… - num tom de desconforto.
eu ouvi, e me lembro que num súbito disse: “obrigada”. o que ela retornou, dizendo: “obrigada? não é bom ser metida, é ruim, ninguém gosta de gente metida” ao que eu disse: “pois eu lutei tanto para ouvir algo assim que só posso me sentir feliz” e em tom de brincadeira, e um pouco de deboche (admito), falei:
— Como é bom agora fazer parte do grupo das metidas! Que liberdade! - disse rindo e um pouco alto, mas não em tom de grosseria, note que sou aquariana.
evidente que minha mãe ficou puta. é possível que isso tenha gerado gatilhos para ela, que talvez tivesse me visto como alguém que a faria mal através de bullyings e afins. ou talvez ela só não quisesse celebrar nada do que eu disse mesmo, e eu estivesse aqui buscando justificativas para sua fala, como é de costume comigo, que me recuso a acreditar em algumas (tantas) de suas falas.
então expliquei a ela, brincando, que queria que ela também fosse metida. e perguntei a ela o que significava ser metida, porque naquele momento, eu me sentia bem, confiante e em paz, perguntei se ela queria que eu estivesse frustrada, triste e precisando de ajuda. “não”, ela falou, “eu só que não queria que estivesse… assim”
que bom não ter mais 16 anos. e ter força para seguir sendo o que sou. mesmo que tantas vezes, em parcelas.
queridas leitoras (98% das pessoas que estão por aqui são mulheres),
o que é ser metida?
para mim: ter confiança, postura, calma, beleza, assertividade. para ela? ainda não sei, espero um dia saber e explicar que para mim, são só substantivos abstratos bonitos de se querer bem.
pontos desnecessários, porém ainda preciosos: amo a minha mãe imensamente, e entendo que somos duas pessoas com vidas, escolhas e formas de enxergar o mundo completamente diferentes. e sei que ter saído de casa cedo me permitiu (e permite) enxergar estes pontos com maior clareza, assim como me afastar deles quando possível.